Anandamida: um potencial terapêutico para a dor crônica

A anandamida, um endocanabinoide que o nosso corpo produz naturalmente, pode oferecer novas perspectivas no tratamento da dor crônica. Esse neurotransmissor se liga aos receptores de canabinoides no cérebro e em outras partes do corpo. Seu nome deriva da palavra sânscrita “ananda”, que significa “felicidade”, devido ao seu possível envolvimento na regulação do humor, prazer e percepção da dor. Além disso, a anandamida também desempenha um papel na resposta ao estresse e à ansiedade.

Estudos apontam que a anandamida tem potencial terapêutico para a dor crônica. A cannabis é conhecida por conter propriedades, como o THC, que aumentam os níveis de anandamida. Além disso, o canabinoide CBC tem sido estudado por sua capacidade de reduzir uma enzima chamada FAAH, responsável por degradar a anandamida no cérebro. Ao reduzir a atividade dessa enzima, o cérebro mantém maiores níveis de anandamida, potencialmente aliviando a dor.

Conheça o caso da Jo Cameronde, uma mulher com altos níveis de anandamida, resultando em uma condição na qual ela não sentia dor.

Para essa mulher, o parto foi como “uma cócega”. Será que seus genes guardam o segredo para um melhor controle da dor?

Quando os médicos encontraram uma paciente que mal sente dor, descobriram uma mutação previamente desconhecida em seus genes que suprime a sensação – uma descoberta que poderia abrir novas possibilidades para o controle da dor aguda e crônica, de acordo com um relatório publicado no British Journal of Anesthesia.

Os médicos perceberam pela primeira vez a insensibilidade de Jo Cameron à dor quando ela passou por “uma cirurgia ortopédica dolorosa” para tratar uma artrite grave, de acordo com o relatório. Cameron, hoje com 71 anos, solicitou pouquíssimos analgésicos durante a recuperação, de acordo com o relatório – e investigações adicionais revelaram que essa não foi a primeira vez que Cameron sentiu menos desconforto do que outros pacientes.

Em 2017, Cameron foi diagnosticada com osteoartrite grave e degeneração significativa das articulações, e precisou passar por uma cirurgia de substituição do quadril, mas ela afirmou que não sentiu dor antes, durante ou após a operação, de acordo com o relatório. Cameron também afirmou que o parto “não doeu”, mesmo sem a aplicação de anestesia epidural. “Eu conseguia sentir que meu corpo estava mudando, mas não me machucou”, disse ela, acrescentando que o parto foi como “uma cócega”.

Os pesquisadores também descobriram que Cameron sentia menos ansiedade e medo ao longo de sua vida do que outras pessoas, e que as lesões em seu corpo cicatrizavam rapidamente.

No entanto, a insensibilidade à dor também teve um lado negativo: os médicos descobriram que Cameron tinha “múltiplas cicatrizes nos braços e nas costas das mãos”. Ela revelou que houve momentos em que queimou a mão e só percebeu quando sentiu o cheiro de sua própria carne queimando.

Dada sua história médica, os médicos de Cameron ficaram curiosos e levantaram a hipótese de que a insensibilidade à dor de Cameron poderia estar relacionada a seus genes.

Médicos descobrem nova mutação genética supressora da dor

Pesquisadores do Grupo de Nocicepção Molecular do University College London sequenciaram e analisaram o genoma de Cameron e descobriram uma mutação previamente não identificada que era responsável por sua “vida praticamente livre de dor”, de acordo com o New York Times.

A mutação está em uma região que os pesquisadores chamaram de FAAH-OUT. A proteína FAAH decompõe a anandamida, que é às vezes chamada de “molécula da felicidade”. Quando a FAAH decompõe a anandamida corretamente, permite que as pessoas experimentem sensações de dor e diferentes estados de humor.

Devido à mutação genética de Cameron que suprimiu a atividade da FAAH, ela tinha níveis mais altos de anandamida, o que, segundo os médicos, poderia explicar por que ela sentia menos dor, conforme relatado pela STAT News.

 

A descoberta poderia levar a uma forma alternativa de gerenciamento da dor para os pacientes?

Segundo o New York Times, cientistas têm encontrado pacientes que não experimentam, mas esta é a primeira vez que a insensibilidade à dor foi associada a uma mutação genética.

Um estudo recente relatou a descoberta de uma mutação genética relacionada à supressão da dor em uma única paciente, abrindo caminho para uma nova abordagem no tratamento da dor aguda e crônica sem o uso de opioides.

Os pesquisadores observaram que estudos anteriores visando a proteína FAAH falharam, mas a descoberta da mutação FAAH-OUT oferece uma nova maneira de direcionar o receptor endocanabinoide que regula a dor.

Dev Srivastava, um dos pesquisadores envolvidos no estudo e consultor em anestesia e medicina da dor no Hospital Raigmore, na Escócia, afirmou: “Essa descoberta abre inúmeras possibilidades para o desenvolvimento de medicamentos utilizando a via endocanabinoide para modificar a percepção da dor”. Ele acrescentou que a descoberta poderia ser desenvolvida como um “remédio milagroso” para o tratamento de pacientes cirúrgicos, aqueles com câncer ou com dor crônica.

No entanto, existem riscos associados, conforme destacado pelos pesquisadores. Eles observaram que a supressão do gene FAAH está associada a problemas de memória. Embora Cameron viva uma vida em grande parte livre de dor, ela disse que frequentemente esquece onde colocou suas chaves e perde o fio do pensamento no meio de uma frase, de acordo com o New York Times.

Além disso, os pesquisadores costumam alertar que eliminar completamente a dor pode ser perigoso, como o caso de Cameron demonstra.

James Cox, autor e professor sênior do Wolfson Institute for Biomedical Research na University College London, afirmou: “A dor é um sistema de alerta essencial para protegê-lo de eventos prejudiciais e que representam risco de vida.”

No entanto, segundo Stephen Waxman, neurologista da Universidade Yale, que não estava envolvido no estudo, o uso da descoberta para desenvolver um tratamento para a dor não é impossível. Na verdade, os pesquisadores estão considerando realizar pesquisas adicionais sobre a mutação para eventualmente desenvolver um tratamento que não desencadeie efeitos colaterais indesejados nos pacientes. “Estou razoavelmente confiante de que as lições que estamos aprendendo com os genes envolvidos na dor levarão ao desenvolvimento de uma classe totalmente nova de medicamentos para a dor”, disse Waxman (Murphy, New York Times, 28/03; Corley, STAT News, 27/03).

 

Referência: Daily Briefing. (2019, March 29). For this woman, childbirth felt like ‘a tickle.’ Could her genes hold the secret to better pain management? Retrieved from https://www.advisory.com/daily-briefing/2019/03/29/pain-gene Library

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